Dignidade ou trabalho digno é a oportunidade de realizar uma atividade produtiva, com um rendimento justo, com segurança e proteção, com perspetivas de desenvolvimento pessoal e integração social, sempre com liberdade para expressar as nossas preocupações e participar nas decisões que possam afetar as nossas vidas. É também a igualdade de oportunidades.
Caridade é uma esmola, um favor, um benefício por piedade, benevolência. O antónimo disto é o egoísmo, ganância, malvadez.
Agora atentem nestes significados e ponderem:
Será que temos um trabalho com condições dignas?
Será que respeitam a nossa dignidade?
Será que respeitam a nossa liberdade?
Será que nos permitem participar nas decisões que nos dizem respeito?
Será que todos temos igualdade de oportunidades?
Será que o que queremos e merecemos são esmolas, favores e benefícios por piedade?
Será? Claro que não, não temos e não o queremos dessa forma, por isso podemos e devemos exigir, lutar e denunciar!
Todos devemos ter uma missão na vida, pois é isso que nos preenche como seres humanos.
A descoberta dessa minha missão veio com o descontentamento, com a realidade e o desejo de fazer algo mais pelo próximo e pelo ‘mundo’.
A luta por um trabalho digno é global e concreta, devendo ser de todos. Quem não defende os seus direitos perde a dignidade e a dignidade não tem preço e não é negociável.
Devemos lutar sempre contra as injustiças, sejam elas contra nós ou contra terceiros. Hoje por eles, amanhã por ti, por nós, e, é nesse amanhã, que devemos pensar e lutar para que seja diferente do hoje. Sem luta, sem a participação desta nova geração de polícias na luta, não chegaremos a lado algum. Jamais chegaremos a “bom porto”. Acreditem.
Esta minha missão de vida levou a que sofresse na pele até hoje o estigma de ser quem fui, de fazer o que fiz. Houve até tentativas de silenciamento e omissas ameaças.
O meu primeiro passo nesta luta iniciou-se logo que aqui cheguei, no longínquo ano de 1984, verdade, são 38 anos e 5 meses, mais de 14.000 dias, muito sofridos e alguns demasiado longos tal a frustração e a angústia, mas também outros bem pequenos devido ao orgulho e satisfação do dever cumprido e do prazer da camaradagem.
Por ser mulher, jovem, (20 anos) em 84, não me foi fácil, havia comandantes que não queriam mulheres na sua esquadra. Alguns colegas, poucos felizmente, não nos aceitavam, olhavam-nos desconfiados, foi preciso grande serenidade, confiança, paciência e resiliência para provar que nós mulheres conseguíamos cumprir a mesma missão e de igual forma.
E foi aos 20 anos que me apaixonei por um colega, hoje o meu marido, foi um crime “lesa-pátria”. Como é que uma menina tão “engraçadinha” se lança nos braços de um negro? (sim o meu marido tem descendências negras e indianas). É verdade, chegaram até a chamar a minha mãe para lhe dar conhecimento do meu delito.
Logo depois perdi um filho numa gravidez de quatro meses num acidente com o carro de patrulha, e, pela primeira vez, foi pedida nesta “casa” uma licença por aborto, que a lei previa, mas que todos desconheciam ou fingiam desconhecer. Não imaginam o que lutei por isto, mas consegui.
Já não era bem vista por ser franca e direta e não aceitar muitas coisas que nos queriam impor, imaginem, até servir num almoço de oficiais… queriam… Mas não fui.
Depois, bem mais tarde, veio o 21 abril de 1989, os “Secos e Molhados”, onde orgulhosamente estive presente. Saí do local de trabalho para o encontro na ‘Voz do Operário’. À porta do local de trabalho estava um “Segurança” que fotografava quem saía, tentando amedrontar e assim desmobilizar o pessoal. Paguei bem caro esta minha decisão, bem como a de após o 21 abril de 89, desempenhar as funções de dirigente associativa.
Tive talvez o que mais ninguém teve na instituição – Um passaporte de férias negado porque tinha um processo disciplinar e podia ser necessária a minha presença a qualquer momento. Refilei, denunciei e depois o que vem a seguir, um Despacho “sui generis” – “Autorizada a gozar férias desde que o seu marido, também polícia, se responsabilize a fazê-la comparecer nas diligências processuais para que for solicitada”. Fui “aos arames”, quase subi paredes. Mas não calei a minha revolta e, mais uma vez… ganhei.
Outro dos ‘episódios’ foi o pedido de uma folga compensatória (por trabalho executado aos feriados), folga que me foi negada não por falta de pessoal, mas sim por não ter direito a ela.
Só me sendo concedida pelo MAI após recurso, um dia de folga caros amigos, mas nunca vacilei, o que estava em causa não era o dia em si, era um direito que me era negado. Ainda me tentaram dar o dia por ‘especial favor’ para que não recorresse, mas não, não me vendi. Jamais me venderei!
Processos e mais processos, aposentação compulsiva à vista, dois filhos, mas nunca me passou pela cabeça desistir porque estava e continuo indignada e revoltada. Indignada por o Estado e a DN/PSP não me respeitar, não nos respeitarem. Indignada por a minha/a nossa vida e o meu/o nosso trabalho não ser valorizado. Indignada por os estatutos não serem cumpridos. Indignada por não sermos o suficiente unidos e, devido a isso, não conseguirmos mostrar a nossa força. Indignada por termos sempre uma mão-cheia de nada ao longo dos anos.
Em 2007 tive, pois, o pior dia da minha vida – fui confrontada com uma acusação malvada e caluniosa que me fez, apesar de inocente, sentir vergonha. Numa fase da minha vida em que o meu marido lutava contra dois cancros, senti-me completamente perdida e abandonada, aí quase desisti, quase… por isso entendo tantas vezes quem desiste, não há cobardes aqui, há mágoas e injustiças que nos marcam para a vida.
Dez anos depois, em 2017, o Tribunal Criminal declarou-me inocente, mas a Polícia já me tinha punido com aposentação compulsiva, e devido a isso ainda hoje sofro, pois aguardo o desfecho do Administrativo.
Estando ao serviço por Providência Cautelar ganha, (caso contrário estaria há 15 anos fora da Polícia), por esse motivo também tenho uma promoção pendente há 3 anos e fui também por isso muitas vezes preterida em convites. Já fui punida sendo inocente.
E é assim uma vida de trabalho dedicada a servir a instituição e os cidadãos. E depois… bem, depois és velha e descartável, agem como senão existíssemos, não têm em conta que somos humanos, acham que somos números e agem como se tal fossemos.
São incapazes de se sentarem à mesa, com seriedade, com aqueles que nos representam. Não podemos nem devemos permitir que se “cozinhe” em privado o nosso futuro.
E muito mais havia aqui para contar, muitos de vós sabem que falo verdade, o que sofri e o que sofro, mas fui eu que criei a possibilidade de ter um passado um presente e de certeza um futuro com história, com atos, com atitudes de que me posso orgulhar.
São quase 39 anos de serviço, quase 33 anos de Chefe e continuo Chefe, encontro-me no último índice há quase 12 anos, sem qualquer progressão.
Tenho 59 anos e continuo à espera que me dêem a minha liberdade. Ninguém nunca quis saber como me sentia, eles sabem bem porque não criam a segurança e higiene no trabalho, pois sabem bem como andamos – desmotivados, desnorteados e fartos disto. Isto corrói-nos, destrói-nos.
Amigos, não deixem que o vosso futuro seja assim, em que a desmotivação seja uma constante, não se deixem arrastar, não permitam que vos desrespeitem. Não permitam que vos façam sentir que não existem.
Neste momento, há cerca de 15 meses, estou ausente ao serviço por baixa médica. Conta-se pelos dedos das mãos os telefonemas que recebi a saber como estou. Da instituição nenhuma. Nunca em momento algum da minha vida. E é isto que sou, o número de matrícula “X”.
Amigos, não há vitória sem luta e quanto maior for o objetivo maiores serão os obstáculos, mas aqueles que não lutam pelo futuro que querem devem aceitar o futuro que vier. Valem mais as lágrimas de sofrimento e da derrota do que a vergonha de nunca ter lutado.
E por vezes é preciso lembrar que somos livres e que plantaram em nós a liberdade, não a podemos deixar morrer, disse-o Zeca Afonso no tempo da ausência de liberdade num concerto numa faculdade: “Não estou aqui para vos entreter estou aqui para vos lembrar do nosso direito a sermos livres”.
Em liberdade responde ao inquérito e dá a tua opinião, não permitas que outros decidam por ti.