Turno das 16h00 às 00h00 num carro-patrulha.
Entrei ao serviço depois de um ano de baixa (agredido numa ocorrência e com avultados prejuízos). Recebidas as indicações, iniciei com uma vistoria à viatura policial para salvaguarda da segurança (não sei se nossa ou dos demais utilizadores da via pública). O carro já conta com mais de 300 mil quilómetros – entre estofos rasgados, depósito de água com fuga, embraiagem com anomalias e pneumáticos lisos – mas é a única viatura disponível.
Lembrei-me logo dos 609 milhões do Plano de Infraestruturas e Equipamentos constantemente anunciados pelo ministro (durante a baixa vi muita televisão).
Duas ocorrências pendentes. Ambas de natureza municipal. Não há efetivo mas a PSP desenrasca do ponto de vista legal (assim como a notificação pendente do turno anterior, fruto da incapacidade dos tribunais). A PSP desenrasca, decorre da lei (as polícias devem responder às solicitações do poder judicial).
Antes de arrancar ainda deu para perceber a central rádio a informar que há oito ocorrências pendentes. Não há meios disponíveis. Ao que parece um carro-patrulha está com uma cena de violência doméstica e o outro foi acompanhar um cidadão à psiquiatria no hospital… os bombeiros solicitaram esse acompanhamento à polícia…é o protocolo, dizem…
Ao sair da esquadra mais um telefonema. O graduado de serviço assim o solicitou. Uma queixa e o apoio às instalações meteu baixa (tem um acidente de serviço aberto. A “coisa” complicou). O telefonema era de uma cidadã a queixar-se do vizinho que foi indelicado ao entrar no prédio. Quer que a polícia lhe dê uma reprimenda… dizem que dá resultado…
Depois das duas ocorrências cumpridas tenho de as participar. Importa fazer chegar o ocorrido à Câmara Municipal para que esta promova o processo. A PSP apenas reporta…
Antes de um giro pela praia, nova ocorrência, violência doméstica diz a central-rádio. A tripulação deve cumprir a diretiva e colocar os coletes anti-balísticos. Eu visto M, mas o que existe é o XL… dizem que é para a nossa segurança…
Esta ocorrência é na área da esquadra limítrofe que não tem carro-patrulha por falta de efetivo mas Portugal, por rácio, dizem que é dos melhores ao nível da segurança. Vi o ministro dizer… Sim, na televisão, durante a baixa.
Aguardo pelos trinta minutos de intervalo, não pela fome, mas para parar um pouco. Esqueci-me de tirar a senha para o almoço na faculdade. Só agora me lembrei que a única que existe nesta cidade é sénior e não tem protocolo com a PSP…
Entretanto, foi-me determinado para levar expediente à Divisão Policial. Mais uma diligência que se questiona o enquadramento. Ordens que não configurem a prática de um crime, são para cumprir… dizem!
Já no fim do turno, e porque não parei, vou ter de participar as ocorrências fora do horário normal de trabalho. O que me vale é a bolsa de horas para que possa usufruir das mesmas mais tarde, desde que não ultrapasse os seis meses, mas, nestes seis meses existirá reforço de efetivo policial? Fica a dúvida.
Concluído o turno resta-me um banho quente. A caldeira está furada. Dizem que já seguiu o reporte da avaria para a direção nacional há mais de um ano…
Nada melhor que um banho frio. Faz bem à pele – para que possa descansar “a correr” -, pois daqui a nada tenho um serviço remunerado (há quem lhe chame bónus). Infelizmente só assim consigo sobreviver…
Estou pronto para um novo turno (entretanto no email já caiu um novo despacho de exceção, parece que é o 63.° deste trimestre). Infelizmente o domingo de folga que prometi ao miúdo, não vai ser possível. Há um jogo de exceção (apesar de programado) …
Valha-me a TV. Permite-me sonhar… a mim e, ao que parece, ao ministro…
Até amanhã.
Um polícia qualquer.