Primeira e breve análise
I – Considerações gerais
No dia 10 de outubro, o Governo apresentou a proposta de Orçamento do Estado (OE) para o ano de 2024.
Depois do Orçamento do Estado para 2023 que não repôs a perda de poder de compra, o Orçamento do Estado (OE) para 2024, apesar da muita propaganda, volta a não responder à questão central para os trabalhadores em Funções Públicas. Ou seja, o OE 2024 não só não recupera o que os trabalhadores perderam em 2023 como acentua a perda do poder de compra para 2024.
Na verdade, o ano de 2023, e muito previsivelmente 2024, serão marcados por um brutal aumento dos preços que degradam o poder de compra dos trabalhadores.
Depois da justificar o aumento da inflação em 2023, devido à saída da crise do COVID e à guerra na Ucrânia, agora surge novamente e como desculpa a Guerra da Ucrânia e as incertezas no plano internacional como justificação para a instabilidade dos preços.
Mais uma vez, o Governo PS insiste em não apresentar nenhuma causa a nível interno, nomeadamente a especulação de preços que se faz sentir, por exemplo, no preço dos combustíveis. Nada é dito quanto aos desequilíbrios entre quem vive do rendimento do seu trabalho e quem especula.
Quanto à inflação, em 2022 ela fixou-se em 7,8%, mas se tivermos em conta os aumentos dos preços dos produtos alimentares, então verificamos que a inflação foi realmente de 13% e até agosto de 2023, se incluirmos os produtos alimentares, então a inflação atingiu os 15%.
Há ainda outros dados que o Governo PS não usa e esconde para falar de um cenário de descida da inflação e assim tentar passar uma imagem que os aumentos propostos significam recuperação do poder de compra. A prestação média de habitação (crédito) aumentou mais de 40% até julho de 2023; as rendas aumentaram 9,4% e os custos com energia e combustíveis continuam a pressionar as famílias.
É neste cenário que o Governo valoriza a redução das taxas de IRS e os aumentos salariais. Estas medidas, sendo positivas, estão longe de assegurar aumentos acima da inflação, o que contraria o que é referido na apresentação deste OE 2024.
Com efeito, no relatório de apresentação das opções do OE 2024 o Governo PS diz assegurar aumentos acima da inflação, investimento e equilíbrio das contas públicas. Contudo, destas três premissas, há efetivamente apenas uma que podemos afirmar que corresponde à verdade: Governo PS consegue, num ano marcado por tantas necessidades, ao nível dos salários, mas também das pensões, prestações sociais e serviços públicos, apresentar um orçamento com um excedente orçamental de 0,2% – o que desde já significa que o Governo podia ir mais longe nas medidas que são necessárias.
Apesar de o Governo afirmar que este é um orçamento que reforça os rendimentos tal não corresponde à verdade, pelo menos para os profissionais que desempenham funções para o Estado.
Na verdade, este Orçamento do Estado para 2024 não pode estar desligado do OE 2023 que promoveu uma acentuada perda do poder de compra. Mas mesmo considerando apenas o presente orçamento do Estado, importa referir que o IHPC (índice harmonizado de preços do consumidor) que inclui o aumento dos preços na energia e alimentos não transformados situou-se no primeiro trimestre em 8,4%.
O governo, no OE 2024, refere uma desaceleração deste índice (IHPC) para 5,3% em 2023 e para 2024 estima que este indicador esteja nos 3,3%. Contudo, tais previsões estão construídas com base numa descida dos preços de combustíveis, que não se verifica e não há indicadores que se verifique essa descida num futuro próximo, bem como numa descida dos preços dos alimentos. Ora, tal cenário é manifestamente otimista e pouco sustentado.
Mas mesmo assim, importa referir que o Governo, no Orçamento do Estado para 2023, apresentou para os trabalhadores em Funções Públicas um aumento de 52,11 euros por mês nos seus salários base, sendo também garantida uma valorização de, pelo menos, 2%”, dizendo que “este esforço garante uma atualização salarial média de 3,6%”. Com as progressões e promoções (que já eram devidas) então o Governo chega a um “aumento” de 5,1%. Ou seja, os aumentos não repõem sequer o poder de compra perdido nestes dois anos (2022 e 2023).
Já quanto ao presente Orçamento do Estado para 2024, o Governo refere que todos os trabalhadores das Administrações Públicas terão um aumento de pelo menos 52,63 euros ou 3% por mês. Refere o Governo que, com os aumentos salariais que “acrescem à subida da base remuneratória da Administração Pública para 821,83 euros, às promoções, às progressões (que irão beneficiar dos aceleradores), e às restantes variações remuneratórias (por exemplo, nas ajudas de custo e subsídio de transporte), no total, a massa salarial aumenta 5,5%”.
Ora, se tivermos em conta a inflação verificada em 2022 e 2023, fica assim demonstrado como este orçamento falha na proteção dos rendimentos dos trabalhadores que desempenham funções para o Estado.
Estes aumentos são manifestamente insuficientes face ao aumento do custo de vida que se verificou em 2023 e que se manterá, provavelmente, em 2024.
No âmbito geral da administração pública, que não dispensa uma análise mais setorial, é destacado o aumento da Retribuição Mínima Nacional para os 820 euros, que se repercute nos salários mais baixos da administração pública; é valorizada a descida do IRS em média até 2,4%, com um impacto mais significativo para os agregados com rendimentos até 2 mil euros (impacto financeiro de 1.327 milhões de euros); o aumento de 52,63 euros ou 3% que juntando as restantes componentes soma, afirma o Governo, um impacto aumento de 5,5% (ainda abaixo da inflação); é eliminado a redução do valor pago a título de ajudas de custo e subsídio de transporte.
A despesa total com pessoal, em toda administração pública, passa da estimativa de execução orçamental de 27 606 milhões de euros em 2023 para 29 311 milhões de euros orçamentado para 2024.
À imagem do que aconteceu o ano passado, o presente processo de aumentos salariais foi discutido e negociado à margem da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP). Na verdade, estes aumentos foram discutidos com os Sindicatos das carreiras gerais e não com as estruturas representativas dos profissionais da PSP.
Importa, assim, abrir um verdadeiro processo negocial quanto a carreiras, escalões remuneratórios, compensação do risco e reestruturação dos suplementos que responda aos anseios dos profissionais, que torne a carreira atrativa e melhore as condições de vida de quem garante os níveis de segurança existentes no país.
Em conclusão, este Orçamento, além de não responder adequadamente face ao problema do aumento do custo de vida, não resolve nenhum dos problemas com que os profissionais da PSP se defrontam. Senão vejamos:
Quanto ao Ministério da Administração Interna
No desenvolvimento do Relatório, anexo ao orçamento do Estado, pág. 243 e seguintes Segurança Interna, destaca-se:
O Governo volta a anunciar que a segurança é um “pilar fundamental do Estado de Direito Democrático” sendo por isso “uma prioridade”.
Referem que “A Estratégia Integrada de Segurança Urbana assume um eixo estratégico neste pilar, procurando o reforço dos instrumentos de prevenção existentes, promovendo sinergias entre todos os produtores de segurança, públicos e privados, potenciando a eficácia e eficiência da sua atuação” Ora, a inclusão dos privados deve ser, no atual contexto visto com cuidado.
Referem que, “Ainda na área da segurança, será dada continuidade ao trabalho de valorização dos elementos das forças de segurança, das suas condições de trabalho, bem como infraestruturas e equipamentos, contribuindo assim para uma maior atratividade para o exercício das funções policiais, bem como para a melhoria qualitativa do serviço público prestado aos cidadãos.”.
Este ano o conjunto de medidas é bem mais parco do que o ano passado e as medidas pecam por defeito enquanto persiste o ataque aos estatutos, quanto à pré-aposentação e ao direito a uma efetiva negociação das condições salariais e de progressão, que continuam por cumprir.
Nas Medidas é anunciado no relatório especificamente para o MAI:
Quanto a admissões, o Governo não concretiza qual a meta/objetivos a atingir; referem o reforço na formação para o combate à violência doméstica e reforço na formação quanto a direitos humanos no combate ao racismo e xenofobia.
Continuam, com a “conversa” do ano passado de criação de infraestruturas de habitação e o reforço dos Contrato locais de segurança. Pouco mais adiantam e não dão resposta efetiva e estrutural.
Orçamento/ verbas
A despesa total consolidada atinge no OE 2024 um valor de 2 346 milhões de euros, o que significa um aumento de 5,7% face à estimativa de execução do orçamento para 2023.
Acontece que, no orçamento de 2023, a dotação total consolidada inicial era de 2.473,8 milhões que compara com os 2.311 milhões previstos para 2022 e com os 2.178 milhões de euros previstos para o ano de 2021. Em 2020 o total da despesa consolidado previsto no orçamento do estado era de 2.158 milhões de euros e em 2019 o orçamento do MAI foi de 2.223 milhões de euros.
Ora, não obstante, ser uma prioridade, a verdade é que a dotação inicial não aumenta face a 2023, mas sim diminui de 2.473 milhões para 2.346 milhões de euros. O que avaliza a prioridade que o Governo atribui à segurança interna.
Desta dotação, destaca-se que as despesas com pessoal, como não podia deixar de ser, assumem um peso significativo, mas mantêm a percentagem do ano anterior “74,7% da despesa total consolidada, visa o pagamento da estrutura salarial das forças e serviços de segurança”.
Isto significa que 1.936, 4 milhões de euros (no ano passado foi 1848,9 milhões e em 2022 foi 1767,9 milhões) da dotação, é destinada a estrutura da massa salarial das forças e serviços de segurança, distribuída entre a Guarda Nacional Republicana (GNR), com 957,2 milhões (ano passado era de 869,6 milhões de euros), e a Polícia de Segurança Pública (PSP), com 919 milhões de euros (no ano passado era de 855 milhões de euros).
Destaca-se ainda:
– “dotações de despesas de investimento” “que ascendem a 212 milhões de euros, dos quais 95 milhões de euros dizem respeito à execução da Programação de Infraestruturas e Equipamentos das Forças de Segurança e Serviços do Ministério da Administração Interna”
– “O Programa integra a dotação específica para pensões e reformas, executada pela GNR (com 109 milhões de euros – em 2022 era 107,9 milhões de euros) e pela PSP (com 106,6 milhões de euros – em 2022 era de 91 milhões de euros).
– “De destacar também os encargos com saúde, executados pela GNR (com 40,9 milhões de euros) e pela PSP (com 32,8 milhões de euros), integralmente cobertos por receita própria.”
II- No articulado do OE 2024
Da análise em concreto do articulado, da proposta de lei, verifica-se que as referências às forças e serviços de segurança são diminutas, como habitual.
Aliás, com efetiva conexão à PSP, temos novamente o artigo da suspensão da passagem às situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade.
Na verdade, esta é uma das poucas medidas concretas e com execução, por ter força de lei, mas que penaliza e muito os profissionais da PSP. Este Orçamento do Estado volta a criar problemas e dificuldades.
Chamamos atenção para o facto desta norma, artigo 30-º – “Suspensão da passagem às situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade” – conter, mais uma vez e à imagem do que sucedeu no ano passado, um ataque ao estatuto da PSP.
É mantida a norma do n. 3 deste artigo em que se refere “No que respeita à GNR e PSP, o contingente referido no número anterior é definido tendo em consideração o número máximo de admissões verificadas nas forças e serviços de segurança, nos termos do respetivo Plano Plurianual de Admissões.”. O n.º 2 determina a fixação do contingente de admissões, e de passagem à reserva.
Isto é, o Governo pretende, uma vez mais, atropelar o estatuto da PSP limitando a pré-aposentação ao número de admissões verificadas.
Se o Governo não promover nenhuma admissão, então condiciona o exercício deste direito.
Importa referir que a inclusão desta norma suscitou problemas e manifestações de descontentamento. O Governo insiste em contrariar o que está instituído no estatuto desta força de segurança. Com esta medida o Governo cria focos de descontentamento e promove o envelhecimento “forçado” da PSP.
Importa também referir que o Governo, até agora, não assumiu nenhuma meta quanto a recrutamento deixando em aberto qualquer cenário.
Assim, impõe-se a eliminação deste n. 2 e 3 do artigo 42.º.
Por fim, o artigo 115.º clarifica que a SAD da PSP, não é financeiramente responsável pelos serviços de saúde prestados no SNS.
III- Calendário
De acordo com a calendarização aprovada pela Conferência de Líderes, o debate na generalidade e votação na generalidade será realizada no próximo dia 31 de outubro.
O MAI vai ao parlamento discutir o OE na especialidade no dia 7 de novembro.
As propostas de alteração ao OE têm que ser entregues até dia 14 de novembro e a votação final global está agendada para dia 29 de novembro.
IV- Ação e propostas a considerar
Há vários aspetos que suscitam preocupação e merecem intervenção em sede de discussão na especialidade do Orçamento do Estado.
Este ano, à imagem do ano passado, assume particular centralidade a questão dos aumentos salariais. A efetiva revisão das carreiras, suplementos e níveis remuneratórios deve ser uma prioridade. Revisão que, como não pode deixar de ser, tem que ser precedida de discussão / negociação com a ASPP/PSP. Julgamos mesmo que esta deve ser a questão central exigir ao Governo. A negociação da revisão global das carreiras, sua inserção na tabela remuneratória e revisão dos suplementos tem que garantir uma melhoria das condições de vida dos profissionais da PSP e tornar a profissão mais atrativa.
Adicionalmente, há um problema que é criado, novamente, pelo Orçamento do Estado.
O n.º 3 do artigo 30.º condiciona a passagem à pré-aposentação conforme está instituído no respetivo estatuto, às admissões, o que não é aceitável e irá agravar o problema do envelhecimento das FSS.
Face ao grave problema de falta de recursos humanos nas forças e serviços de segurança a resposta não pode ser o atropelo das normas estatutárias quanto ao direito à passagem à pré-aposentação, pelo que se impõe a eliminação da norma supracitada.
A Direcção da ASPP/PSP