ASPP/PSP LUTA HÁ 40 ANOS POR UM SUBSÍDIO DE RISCO.

(Advertência: Quero pedir desculpa, mas, para abordar convenientemente esta questão, fui obrigado a tornar um pouco mais longo o texto que se segue)

Com maior ou menor destaque e com base em declarações do ministro da tutela da PSP e da GNR, vários órgãos da Comunicação Social anunciaram, na primeira semana deste mês de Setembro, que o “subsídio de risco” para os polícias seria aumentado para €100 (cem euros). Sem o enquadramento temporal e a contextualização político-social que o assunto merece, a notícia do aumento do “subsídio de risco”, divulgada assim como gato a correr sobre brazas, ou resumida em três dezenas de linhas numa página de jornal, deixou muitas pessoas a interrogar-se (por vezes, contraditoriamente) sobre esta questão e de modo a surpreender muita outra gente: Subsídio de risco para polícias, porquê?… Mas eles já não ganham bem?… Mas os polícias ainda não têm subsídio de risco?…

É do conhecimento público que o vencimento dos profissionais com funções policiais na PSP e na GNR não só é o mais baixo, comparativamente ao pessoal da PJ e do SEF, como também é dos mais baixos de toda a Administração Pública. Actualmente, já não pode colher o argumento de “baixas qualificações” ou de “falta de formação”, quando Portugal é reconhecido por instituições internacionais como um dos países mais seguros do Mundo. Este reconhecimento só pode decorrer do elevado profissionalismo do pessoal das Forças de Segurança (FS), entre as quais se destacam a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR), não só pela forma como diariamente zelam pela segurança do país e dos nossos concidadãos, mas também pelo modo como lidam com os cidadãos estrangeiros que diariamente visitam o nosso país.

No entanto, o Governo não pode esconder que, apesar do reconhecimento internacional do trabalho dos polícias portugueses, a referida baixa remuneração que eles auferem já inclui parcialmente (em cerca de 30%) valores correspondentes a vários complementos remuneratórios (tais como, subsídio de fardamento, subsídio de alimentação, subsídio de turno, subsídio de patrulha e comando, subsídio para a investigação criminal, subsídios para os corpos especiais da UEP) e, ainda, no caso da PSP, o chamado “Suplemento por Serviço das FS”. Trata-se de um suplemento, vindo já do tempo do Estado Novo (antes de 25 de Abril de 1974), que é um acréscimo remuneratório mensal, atribuído ao pessoal policial em efectividade de serviço “com fundamento no regime especial de prestação de serviço, no ónus e restrições específicas da função policial, no risco, penosidade (o sublinhado é meu), e disponibilidade permanente”.

Ora, o Decreto-Lei n.º 77-C/2021, de 14 de Setembro (que atualiza os montantes da componente fixa do suplemento a partir de 2022), indica que o “Suplemento por Serviço das FS” “é [actualmente] composto por uma componente variável de 20% da remuneração base e por uma componente fixa no valor de € 31,04).

É de salientar que todos estes profissionais prestam serviços por turnos, em fins-de-semana, em dias feriados ou santificados, no Natal ou na Páscoa. Além disso, os montantes destes subsídios são diversificados, de acordo com a função que cada profissional despenha. Na verdade, é preciso reconhecer e sublinhar publicamente que, sem os complementos remuneratórios acabados de referir, o vencimento-base dos agentes da autoridade fica ligeiramente acima do valor do salário mínimo nacional. São agentes investidos de autoridade do Estado, que zelam pelo cumprimento da Constituição da República Portuguesa, e que cumprem e fazem cumprir as leis deste país.

Em termos de segurança, são pessoas que têm sob a sua responsabilidade a segurança das grandes cidades, das vilas e das aldeias, os aeroportos e as fronteiras, a regularização do trânsito, a prevenção e a investigação da criminalidade. Além disso, também colaboram com todas as instituições, às quais prestam serviço. São eles também que dão apoio voluntário/altruísta aos cidadãos, fornecendo muitas vezes, às suas custas, pequenas refeições, e reencaminham pessoas para as respectivas residências. São estas algumas das principais funções das Forças de Segurança (FS), que eu conheço bem e às quais tive a honra de pertencer durante quase 30 anos.

Governo de António Costa decidiu que há polícias de primeira e de segunda categorias. Para uns, o “subsídio de risco” é de €430 enquanto, para outros, será de apenas €100 a partir de 2022. Veja-se a ironia desta injusta decisão, na qual o chefe do Governo tem acrescidas responsabilidades, pois já foi ministro da Justiça (Out/1999-Abril/2002) e ministro da Administração Interna (Mar/2005-Maio/2007)

O recente anúncio do insignificante aumento do montante correspondente ao “risco” – que atrás refiro mas que está incluído num contexto mais largo no chamado “Suplemento por Serviço das FS” – parece surgir actualmente, nas palavras de governantes e nas notícias veiculadas pela Comunicação Social, com a pomposa designação de “subsídio de risco”, que nunca existiu na PSP ou na GNR, mas que é pago na generalidade das instituições policiais dos estados democráticos europeus.

Antes de prosseguir nesta breve reflexão sobre o anunciado “subsídio de risco” para a GNR e a PSP, é conveniente que tenhamos sempre presente que, na análise dos “anúncios” de adpção de algumas “medidas inovadoras” no âmbito das nossas instituições policiais de segurança pública, tais medidas correspondem muitas vezes ao simples reconhecimento tardio (comparativamente à generalidade das polícias europeias) de práticas há muito vigentes em outros países.

Com efeito, nestes dias, afirmavam vários órgãos da Comunicação Social que o “subsídio de risco é uma das principais e mais antigas reivindicação dos polícias” portugueses. É verdade, existem datas e eu devo recordar algumas. Foram os sindicalistas agentes da PSP – ao tempo, ainda a lutarem (já em Democracia mas na clandestinidade que lhes era imposta pelos governantes deste país) pelo direito ao sindicalismo policial em Portugal – foram os agentes da PSP quem divulgou amplamente no nosso país a “Declaração sobre Polícia”, aprovada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa em 8 de Maio de 1979, e que Portugal então também subscrevera.

Nessa Declaração, está consagrado que, entre outros direitos, “o agente policial tem o direito a uma remuneração justa, devendo ter-se em consideração uma série de factores, tais como os grandes riscos e responsabilidades, e a irregularidade dos seus horários de trabalho”. Esta mesma Declaração consagra ainda que os agentes policiais têm direito a constituir, aderir e desempenhar papel activo numa organização profissional, representativa de classe. Ora, conforme é do conhecimento geral, o poder político em Portugal resistiu, durante 15 anos após a Revolução de Abril de 1974, a reconhecer aos polícias portugueses um direito de cidadania em pé de igualdade com os seus colegas dos demais países que vieram a constituir a União Europeia, e onde o sindicalismo nas instituições policiais era já uma realidade indesmentível. E foi, pois, também, com base no texto da citada “Declaração sobre Polícia” que a então Comissão Pró-Associação Sindical da PSP (o organismo que deu origem à ASPP) começou a reivindicar, no início da década de 1980, direitos estatutários entre os quais figurava já o da remuneração justa, devendo ter-se em consideração uma série de factores, “tais como os grandes riscos e responsabilidades (o sublinhado é meu) e um esquema de trabalho irregular”.

A tradução integral do texto francês em que a “Declaração” fora originalmente redigida foi também por nós divulgada através do N.º 2 de um boletim informativo de seis páginas, dactilografadas e policopiadas, sob o título “Um Sindicato para Nossa Defesa – PSP/CDPorto”, datado de Outubro de 1981. Já agora e ainda no que diz respeito a datas, devo recordar também que, mesmo no âmbito da Polícia Judiciária, só um ano depois da aprovação pelo Conselho da Europa da sua “Declaração sobre Polícia” veio a ser publicado em Portugal o Decreto Regulamentar n.º 10-A/80, que atribui um “subsídio de risco” aos agentes da PJ.

Curiosamente, conforme consta no texto desse decreto de 1980, a argumentação dos nossos governantes para justificarem a atribuição de tal subsídio à PJ adequava-se já inteiramente à atribuição de idêntico subsídio aos restantes elementos das Forças de Segurança. Eis a forma como o Governo então argumentou: “O serviço de prevenção e investigação criminal […] vem-se tornando cada dia mais duro, desgastante e arriscado. Com efeito, a par de uma total disponibilidade exigida ao funcionário pela própria lei, também os riscos provenientes da função aumentaram sensivelmente. Os atentados com bombas, granadas e explosivos, os assaltos à mão armada, os raptos e os homicídios cometidos por grupos organizados, nacionais ou internacionais, são crimes que vão surgindo cada vez com mais frequência também no nosso país e cuja investigação foi confiada, exclusivamente, à PJ. As condições de luta contra este tipo de criminalidade demandam um esforço progressivamente mais violento, traduzido num trabalho sem limites de horário, diurno ou nocturno, e caracterizado pela necessidade de enfrentar riscos físicos cada vez maiores.

Não é por acaso que, recentemente, dois agentes da PJ tombaram para sempre em missão de serviço, ao mesmo tempo que outros funcionários de investigação criminal foram gravemente feridos, ficando, em consequência com limitações físicas duradouras”. Neste contexto, o Governo decretou a instituição para os funcionários da PJ – e passo aqui a citar novamente o texto do decreto de 1980 – de “um subsídio destinado a compensar as condições de dureza, desgaste e perigo, específicas das actividades de prevenção e investigação criminal”. Em 1986, passou a designar-se Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) um organismo cujas atribuições tinham estado delegdas à PSP e à Guarda Fiscal desde 1974. Os funcionários do SEF auferem “subsídio de risco” equiparado ao dos funcionários da PJ.

Porque estiveram 40 anos os profissionais da PSP e da GNR excluídos do direito a receberem um “subsídio de risco” equiparado ao dos profissionais da PJ e do SEF? Será que não enfrentam eles também as mesmas “condicões de dureza, desgaste e perigo, específicas das actividades de prevenção e investigação criminal” no país onde todos nós vivemos e trabalhamos? Perante isto e para dizer o mínimo, entendo que teria sido suficiente que sucessivos governos, após 1974, tivessem estado atentos e de boa fé relativamente aos serviços prestados pelos profissionais da PSP e da GNR, bem como ao elevado número de agressões que sofreram e ao número de elementos assassinados no exercício das suas funções.

Aliás, facilmente se poderá também chegar a conclusão de que, relativamente à atribuição de um “subsídio de risco” aos polícias, quer governos anteriores quer o actual Executivo nunca definiram critérios de atribuição de um tal complemento remuneratório com base no trabalho e nos riscos inerentes à profissão (atente-se no número de polícias assassinadose na PSP e na GNR); Em vez disso, optaram por critérios de beneficiar quem consideravam trabalhar mais perto das magistraturas.

É certo que, neste contexto, os governantes até encontram para isso algum respaldo em atitudes adversas que ainda hoje se registam entre polícias. Por exemplo, ainda não era exigida licenciatura para o exercício de funções policiais na PJ e já os profissionais da PSP e da GNR eram alvo de algumas “manifestações indelicadas” da parte de polícias da PJ. Era uma espécie de “complexo de superioridade” que testemunhei manifestar-se às vezes, mesmo em diálogo, só em relação à designação profissional dos agentes policiais. Mas, voltando à realidade que justifica a atribuição do “subsídio de risco” aos polícias, devo recordar que, nos últimos anos, foram agredidos milhares de profissionais da PSP e da GNR e algumas dezenas deles foram assassinados no exercício de funções.

A Assembleia da República, através dos grupos parlamentares, com excepção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, obrigou o Governo a apresentar aos sindicatos e associações das Forças de Segurança, até finais de Junho do ano corrente, uma proposta de “subsídio de risco” para a PSP e a GNR, para ser aplicado a partir do início de 2022. O Governo, com notória matreirice e desonestidade política, apresentou aos referidos sindicatos e associações uma proposta humilhante de um “subsidio de risco” com valores correspondentes a parcas dezenas de euros. Ora, o chefe do actual Governo tem certamente noção da injusta decisão agora tomada, tanto mais que, até pelo seu currículo político – há 16 anos, foi ministro da Administração Interna durante cerca de dois anos (tutelando a GNR e a PSP) e, anteriormente, tinha sido ministro da Justiça durante um período de tempo sensivelmente idêntico (com a tutela da PJ) –, ele tem a obrigação de conhecer razoavelmente tudo aquilo que é exigido aos polícias nas actividades da prevenção e da investigação da criminalidade.

Com efeito, se desde 1980 (no âmbito da GNR, PJ, PSP e SEF) a disparidade na atribuição e no valor do subsídio de risco era claramente irracional, a partir de agora, essa disparidade é discriminatória. Aliás, também é de difícil compreensão que, no âmbito das condições específicas das actividades de prevenção e investigação criminais, os membros de quatro corporações policiais autónomas – apesar de trabalharem contemporaneamente no mesmo espaço geográfico e sócio-político – não estejam expostos aos mesmos perigos, dureza e desgaste profissionais, considerando que auferem subsídios compensatórios diferentes.

Finalmente, deixo aqui uma sugestão. Dentro de dias, o Governo apresentará na Assembleia da República, para discussão com os restantes partidos com assento parlamentar, a proposta de Orçamente de Estado para 2022. Ora, não tendo o valor do subsídio de risco proposto pelo Governo sido negociado com os sindicatos, o seu valor é injusto e não corresponde às funções inerentes aos profissionais das Forças de Segurança, nomeadamente no que respeita às exigências e à perigosidade a que também estão expostos os profissionais da PSP e da GNR.

Assim, espera-se que os mesmos partidos que obrigaram o Governo a negociar (infelizmente sem resultados) o valor da componente de risco com os representantes sindicais das Forças de Segurança, mantenham a sua posição na Assembleia da República. Urge aprovar as verbas necessárias no Orçamento de Estado para 2022, de forma a valorizar não só os salários nas Forças de Segurança mas também a atribuição de um subsídio de risco que vá de encontro à proposta apresentada seriamente em Julho de 2021 pelas duas associações mais representativas da PSP e da GNR.

Alberto Torres
Aposentado da PSP
Ex-dirigente sindical da ASPP/PSP