A (in)consciência securitária da igreja, com a benção dos comandantes.
A propósito das Jornadas Mundiais da Juventude, no seguimento dos dias tempestuosos no seio da Igreja a propósito dos abusos sexuais de alguns dos seus membros, parece que a massificação de iniciativas, um pouco por todas as paróquias, é condição necessária para purgar a igreja desses lamentáveis pecados e restaurar a imagem que naturalmente não ficou incólume.
Até aqui, nada contra, na casa de cada um manda quem lá está. O problema surge quando estas iniciativas implicam fortemente o serviço público das forças de segurança. Uma espécie de tradição resultante de anos a empregar meios públicos, sob o manto divino da concordata, para que determinados eventos religiosos (católicos) tenham lugar, num país que se diz laico.
Anos houve, em que a fartura de meios, aliada a uma iliteracia, por parte dos polícias, relativa aos seus direitos, temperada por uma pitada de medo do jugo disciplinar, as coisas foram acontecendo e esta prática consolidou-se e manteve-se “religiosamente” até aos dias de hoje.
Só que os tempos mudaram, e alguns polícias mais esclarecidos, com alguma coragem, começaram a preocupar-se com o impacto, deste emprego de meios, no serviço público prestado pelas polícias, relembrando o facto de a concordata apenas isentar a igreja de certas taxas, não dos custos inerentes às diversas prestações de serviço, como são exemplo os serviços remunerados. Estes serviços, ainda que nos grandes eventos muitos polícias os façam obrigados, têm a particularidade de não perturbar o normal serviço dos polícias porque é feito fora dos horários regulares.
Mas, ainda que fosse a solução mais coerente, como implica custos, não é opção e, numa interpretação jurídica rebuscada e com propósitos bem definidos, contorna-se o problema recorrendo-se ao direito de reunião e manifestação previsto no Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto, com tudo o que isso implica na gestão e afetação de meios policiais.
Quanto aos custos, a nossa honestidade não nos permite deixar de referir os quanto irrisórios eles seriam quando comparados com os milhões de euros gastos em infraestruturas e organização das jornadas mundiais da juventude – os polícias já estão habituados a ser os “parentes pobres” da sociedade, mas era escusado lembrar-lhes uma vez mais…
Não obstante do prejuízo que isso causa nas importantes e genuínas missões da polícia, porque cada vez existem menos polícias disponíveis um pouco por todo o país, algumas pessoas, párocos e demais colaboradores, tiveram e têm a peregrina ideia de “envolver” polícias em tarefas como ladear (embelezar) andores, transportar os símbolos religiosos, entre outros afazeres pouco ortodoxos do ponto de vista policial.
Não raras as vezes, introduzindo também na equação as famosas disputas territoriais entre forças de segurança, pois quando uns se mostram mais relutantes em aceitar tais “missões”, outros há que logo se alinham para aparecer nas fotos – prioridades…
Neste enredo pouco policial, como é difícil fundamentar que estas tarefas sejam realizadas por polícias, usualmente recorre-se à figura do polícia “voluntário”, sendo este compensado, por regra, do tempo em que está/esteve envolvido.
Como defendemos a laicidade do país, cada um é livre de professar a religião que bem entender, obviamente dentro dos limites legais vigentes. Por isso, não teríamos nada contra este envolvimento, se os polícias fossem realmente voluntários, mas essa voluntariedade está ferida de morte quando em troca os polícias recebem o tempo correspondente como crédito horário e, ao mesmo tempo, são cortadas folgas a outros colegas polícias para garantirem as missões eminentemente policiais que as “manifestações” implicam.
Um pouco de solidariedade para com os colegas ficar-lhes-ia igualmente bem e evitaria os crónicos e excecionais cortes das legítimas folgas – é que o respeito e a procura por uma vida familiar salutar, associada ao culto de valores nobres, ainda é, também, um desígnio da igreja.
Paralelamente, fomentariam o tão almejado espírito de corpo e pertença à corporação, espírito esse há muito em declínio.
Quanto aos créditos horários, se lhes forem permito gozá-los, bem sabemos que os gozarão com o óbvio prejuízo do erário público e das missões fundamentais da polícia, mas isso será oração de outro rosário.
Aqui chegados, resta-nos rezar a São Miguel Arcanjo para que a consciência social da igreja não se perca em relação à missão da polícia e que, nos momentos de aflição dos polícias, o apoio destes não lhes falte. “Ámen”.
De um polícia católico praticante, honesto, esclarecido e solidário com a sociedade!