Não é a primeira vez, nem será a última, que num episódio trágico como o recentemente ocorrido na Grande Lisboa, surgem intervenientes vários, de áreas e agendas diversas, recorrendo à “desgraça alheia” para capitalizar (abusivamente) algo que os possa relevar perante o seu público-alvo. Uma ausência de honestidade intelectual e de padrões morais que fazem jus à expressão – “vale tudo menos tirar olhos”.

Este comportamento, não sendo apanágio de todos, acontece em mais de um “hemisfério”, pondo a nu o “lado escuro” de quem devia estar na vida pública “às claras”, desempenhando-a de forma responsável, com elevação e, sobretudo, com a prudência necessária de forma a não defraudar ou a eludir quem neles confiou.

De modo igual, a sede de protagonismo leva alguns a tecerem comentários em nome de outros – uns de ordem operacional e longe das suas competências. Sendo que quem os devia proferir, ou não os faz, ou os fazem erradamente, criando uma “salgalhada” – não permitindo sequer perceber de quem é a responsabilidade pessoal, política, diretiva, sindical ou institucional. Ficando no ar a dúvida – de quem é quem.

Depois temos ainda os famigerados comentadores que abordam com a mesma “mestria” conflitos internacionais, transferências futebolísticas, saúde pública e ações policiais e outras coisas mais.Tudo sabem, tudo vale, mas muitas das vezes sai mal.

Para não falar da “inquietação” jornalística, “enrolada” num mediatismo atroz, à dimensão de programas e crónicas nos diversos canais televisivos, onde a referência às matérias de segurança e às ocorrências criminais, assentam num sensacionalismo cáustico, típico de abordagens que mais parecem um misto de peças do Artur Albarran com o Fernando Pessa, mas a “anos- luz” do resultado das que qualquer um destes nos presenteavam.

Já pensaram que o imenso tempo dado e a forma “espetaculosa” como se discute a criminalidade diariamente no nosso país poderá também condicionar (em muito) a perceção que temos de (in)segurança? Mas também não será isso o pretendido por alguns?

Aquilo que me importa salientar neste meu “desabafo”, é uma ideia que me acompanha, que em muito pode ser reduzida a outra expressão bem conhecida – “quem se ‘trama’ é sempre o mexilhão” (não será bem nestes termos, por questões óbvias, dei-lhe um pouco mais de formalismo), mas efetivamente, na ausência de discussão estruturada, séria e responsável em situações normais, “explodem” preocupações, opiniões, teses, táticas, estratégias, adjetivações, modelos, aquando episódios tristes e mediáticos.

Todos estão certos daquilo que aconteceu, qual o intuito, a tendência, o cunho – Todos sabem de técnicas policiais, uns referem racismo, outros estupidamente a vida humana como algo redutor. Entretanto, outros comunicam de forma questionável, parecendo evidenciar receio do mediatismo e do escrutínio jornalístico – erradamente, principalmente a quem na serenidade do quotidiano, invoca experiência e preparação para os mais variados desafios.

Valha-nos a intervenção de alguns “seres luzentes” (poucos), como o presidente do Sindicato dos Motoristas, que de forma simples fez a análise correta – “ninguém quer saber dos polícias para nada, ninguém quer saber da segurança, quando estas coisas acontecem, fala-se muito, cada um aproveita a corrente para retirar mais resultados e depois tudo passa.” É triste mas é a realidade!

De toda a discussão feita aquando do surgimento destes episódios pontuais, mas que rapidamente se esquecem, desvaloriza-se a responsabilidade política que em muito assenta parte da problemática, e essa desvalorização advém da atuação das agendas mais extremadas, radicais e populistas que, podem até ser interessantes para quem as coloca, mas são más e perigosas, apenas protegendo os responsáveis que não sabem, não querem, não têm coragem ou vontade de resolver os problemas estruturais e graves. Normalmente, responsáveis políticos e diretivos.

Até quando as visões extremadas, populistas e radicais irão superar as moderadas e com discernimento, desviando assim a atenção e ainda desresponsabilizando os verdadeiros responsáveis?

Paulo Santos
Presidente da ASPP/PSP

https://expresso.pt/opiniao/2024-10-31-para-os-males-extremos-remedios-intensos-34921df8