Que sirva de reflexão

Que sirva de reflexão

Em pleno século XXI, nunca imaginei que veria algo assim ao vivo, muito menos na cidade das sete colinas. Mas, como dizem por aí, depois da escuridão vem a luz. Pois bem, voltando ao artigo de hoje, porque um bom apagão serve, no máximo, para nos preparar para outros tipos de “clarões”, vamos falar agora sobre outro tema igualmente iluminador: a atuação da PSP no mês de abril. 

Abril, esse mês tão simbólico em Portugal, repleto de cravos, promessas de liberdade e discursos emocionados. Mas aparentemente, para alguns agentes da autoridade, liberdade rima com abordagem muscular, controlo excessivo e zelo seletivo. Quem diria que 50 anos depois da Revolução dos Cravos, ainda precisaríamos lembrar que a força pública está ao serviço dos cidadãos, e não o contrário?

A atuação da PSP na manifestação do Martim Moniz, por mais contida que tenha sido, não deixou de levantar questões sobre o estado atual do espaço público e do debate democrático no nosso país. A mera necessidade de uma presença policial reforçada para garantir a segurança de manifestantes e transeuntes já é, por si só, um reflexo das tensões sociais acumuladas e da crescente polarização que afeta o ambiente urbano, mesmo em momentos de celebração cívica.

Mais preocupante ainda foi perceber que, apesar do esforço de contenção demonstrado pela PSP, a violência acabou por se manifestar, não como resposta policial, mas como expressão da frustração e agressividade de certos grupos participantes. Este fenómeno, em que o espaço de manifestação, tradicionalmente um exercício legítimo da liberdade de expressão, é invadido por atos de hostilidade, desafia os princípios democráticos e exige uma leitura atenta, profunda e sem preconceitos.

A atuação da PSP, neste caso em particular, foi marcada pela contenção e proporcionalidade. Contudo, o simples facto de episódios de violência terem ocorrido, mesmo sem protagonismo policial, resultou ainda em alguns feridos, impõe uma análise séria sobre os sinais de radicalização presentes nas ruas e os desafios futuros para a segurança pública.

Neste contexto complexo, a homenagem prestada pela Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP), ao agente Fábio Guerra, no final de março e prolongada em abril, surgiu como um momento de grande significado humano e simbólico. Fábio, que perdeu a vida em março de 2022, ao tentar intervir num conflito fora de serviço, representa aquilo que de mais nobre existe na função policial: o espírito de missão, a coragem desinteressada e o compromisso com o bem comum. A sua memória é hoje símbolo de serviço, de entrega e de sacrifício.

A cerimónia, que contou com a presença comovente dos seus pais, foi mais do que uma homenagem individual. Foi uma afirmação de valores. Serviu para recordar à sociedade que, por trás da farda, existem homens e mulheres dedicados, que enfrentam riscos reais e que, muitas vezes, pagam um preço elevado pela proteção da comunidade. Este reconhecimento público deve ser permanente, e não apenas simbólico, exige investimento, dignificação e condições para um exercício seguro e respeitado da atividade policial.

Também em abril, assinalaram-se os 36 anos da chamada Revolução dos Policiais, popularmente conhecida como “Secos e Molhados”. Este marco histórico remete para a luta por melhores condições e maior dignidade no seio das forças de segurança, num período em que a voz dos profissionais da PSP começou a ganhar espaço e legitimidade no espaço público. O movimento, nascido em tempos de dificuldades e resistência interna, acabou por abrir caminho a transformações profundas na organização policial.

A ASPP, principal herdeira institucional dessa revolução, tem desempenhado um papel crucial no equilíbrio entre a autoridade e a justiça social dentro das forças de segurança. Nas comemorações deste ano, a ASPP reforçou o seu compromisso com uma polícia mais moderna, humana e respeitada, não apenas em termos de direitos laborais, mas também como entidade com responsabilidade democrática.

Adelino Camacho

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