
TEMPOS DIFÍCEIS
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Às vezes, parece que vivemos num país onde a realidade supera a ficção, onde eventos tão surreais ocorrem que nos fazem questionar a sua veracidade. No entanto, apesar de a data de publicação deste artigo ser 1 de abril, dia das "petas" ou Dia das Mentiras, os acontecimentos mencionados são tragicamente reais.
Nos últimos tempos, a sociedade portuguesa tem-se confrontado com três situações que merecem a nossa total atenção. Três realidades que, à primeira vista, podem parecer distintas, mas que, no fundo, partilham um denominador comum: o reflexo de um sistema social e jurídico que está a claudicar em vários aspetos. O aumento dos crimes entre os jovens, o número alarmante de suicídios nas forças de segurança e, mais recentemente, o caso revoltante envolvendo três jovens influencers que, após consumarem um crime grave, foram lamentavelmente libertados pelo tribunal. São estas as questões que nos afligem, que nos tiram o sono e que nos deixam, enquanto cidadãos, com um misto de angústia e perplexidade.
O aumento dos crimes entre os jovens em Portugal é um fenómeno que não pode ser ignorado. O aumento da violência, das agressões físicas e verbais, das ofensas à integridade e das atitudes de desrespeito pelas autoridades é um problema crescente que nos preocupa a todos. O que está por trás deste aumento? Muitos apontam para a falta de apoio psicológico adequado, o abandono de valores essenciais no contexto familiar e escolar e, claro, a pressão constante das redes sociais.
Se a violência juvenil é uma preocupação crescente, outro problema que nos deveria preocupar igualmente é o aumento dos suicídios entre os agentes das forças de segurança. O número de suicídios nas polícias subiu de forma alarmante, refletindo uma realidade dura e muitas vezes invisível. Os agentes da PSP, assim como outros membros das forças de segurança, estão expostos a situações de extremo stress, traumas constantes e uma pressão psicológica que muitas vezes não é suficientemente reconhecida ou tratada.
As estatísticas de suicídios entre os profissionais de segurança são um reflexo de uma sociedade que, apesar de valorizar esses profissionais, muitas vezes ignora as suas fragilidades e não lhes oferece os cuidados de saúde mental adequados. A cultura de "homens fortes" e a visão da segurança pública como uma área onde a vulnerabilidade não pode ser admitida criam um ambiente perigoso, onde os profissionais acabam por se isolar e, em muitos casos, sucumbem ao peso da responsabilidade sem o suporte necessário.
Precisamos, urgentemente, de olhar para as forças de segurança de uma maneira mais humana, reconhecer as suas fragilidades e criar ainda mais estruturas de apoio psicológico contínuo, que permitam aos agentes lidar com os traumas que enfrentam no dia a dia sem que isso os leve ao abismo da solidão e da desesperança.
E, no meio desta tempestade de questões complexas e angustiantes, surge o caso dos três jovens influencers que, após consumarem um crime bárbaro de violação, foram libertados pelo tribunal. Eles filmaram e divulgaram o ato nas redes sociais, tornando-o público e, de certa forma, normalizando uma atitude monstruosa. A decisão do tribunal de libertar os acusados causou um choque profundo na sociedade portuguesa. Como é possível que, após um crime tão grave, a liberdade seja concedida sem uma avaliação mais rigorosa da gravidade do ato e dos riscos que esses jovens representam para a sociedade?
A questão aqui não é apenas jurídica, é moral. A decisão do tribunal deixa uma sensação de impunidade, especialmente considerando o poder que esses influencers têm nas redes sociais e a influência que exercem sobre os nossos jovens.
O aumento dos crimes entre os jovens, os suicídios nas forças de segurança e o caso dos influencers são três faces da mesma moeda. Estes problemas não são isolados; eles são o reflexo de um sistema que está a falhar em várias frentes.
Nós, enquanto sociedade, não podemos permitir que a impunidade se torne a norma. A justiça, a saúde mental e a educação precisam ser as prioridades para que possamos, finalmente, construir uma sociedade mais justa, mais humana e mais segura para todos.
Adelino Camacho
01.04.2025