Quando a polícia tem medo de agir

Quando a polícia tem medo de agir

Entre julgamentos mediáticos, rivalidades institucionais e promessas políticas por cumprir, a PSP atravessa um dos períodos mais difíceis da sua história recente. O mal-estar é real e o silêncio nas esquadras já não é sinal de tranquilidade, mas de desânimo. É tempo de proteger quem nos protege.

Nas últimas semanas, a PSP voltou a ser notícia pelas piores razões. O julgamento do agente acusado da morte de Odair Moniz, a disputa pública com a Polícia Judiciária (PJ) em torno de uma grande apreensão de droga e o crescente descontentamento interno compõem um quadro preocupante para uma instituição essencial ao Estado de Direito.

O caso do agente que disparou no Bairro da Cova da Moura tornou-se um julgamento mediático antes de o tribunal o ouvir. A sentença foi proferida nas televisões e nas redes sociais, onde se discutem intenções e condenações. O agente, de 28 anos, pediu desculpa à família da vítima, mas afirmou ter acreditado estar em perigo. A sua palavra, porém, parece já não contar. Em Portugal, o uniforme pesa mais do que os factos. Quando o arguido é polícia, a presunção de inocência desaparece.

Mais inquietante é a rapidez seletiva da justiça. Há processos que demoram anos, mas quando o visado é um agente da PSP, tudo se apressa. O sistema parece querer mostrar serviço, talvez para satisfazer a opinião pública. O resultado é uma justiça desigual: célere para o polícia, morosa para o cidadão comum. “Coitado, vai apanhar por tabela”, ouve-se nas esquadras.

A isto soma-se a rivalidade entre forças do Estado. A operação que resultou na apreensão de quase seis toneladas de haxixe, anunciada como a “maior de sempre” da PSP, deveria ter sido um motivo de orgulho nacional. Mas transformou-se num episódio de desentendimentos com a PJ sobre falhas de articulação. Aos olhos do público, as forças policiais parecem competir por protagonismo em vez de cooperar contra o crime.

O impacto destes episódios faz-se sentir dentro da PSP. De norte a sul do país, incluindo as ilhas da Madeira e dos Açores, muitos agentes admitem sentir medo e frustração. “Mais vale estar cego, surdo e mudo do que fazer seja o que for, porque o culpado é sempre o polícia”, ouve-se com frequência.

Esta frase resume o estado de espírito de uma classe cansada, que enfrenta falta de efetivos, desgaste psicológico e desconfiança social. Instala-se uma perigosa cultura de retração: agentes que hesitam, que evitam intervir, que se protegem da acusação em vez de protegerem o cidadão.

Mas este silêncio é um perigo coletivo. Quando o medo substitui a ação, quem perde é a sociedade. A criminalidade não abranda porque a polícia se cala; pelo contrário, ocupa o espaço deixado vazio. Se o agente hesita, o criminoso avança. E quando a PSP se retrai, o país fica mais vulnerável.

É neste contexto que se aproxima a reunião entre a ASPP, o maior sindicato da PSP e o MAI, marcada para 28 de novembro. As expectativas são baixas. O principal motivo de descontentamento é o acordo firmado com o anterior Governo, que prometia corrigir desigualdades e melhorar as condições da PSP, um compromisso que permanece por cumprir, apesar de o atual executivo ser, na prática, o mesmo.

Caso a reunião não traga resultados, os polícias poderão regressar à rua em protesto, exigindo o cumprimento do que foi acordado. Não se trata apenas de salários, mas de dignidade e reconhecimento. Uma força policial desmotivada e sem apoio é uma ameaça à segurança de todos. É tempo de afirmar o óbvio: proteger a polícia é proteger o Estado de Direito. Proteger não é encobrir abusos, mas garantir condições, apoio e confiança para agir. É assegurar que a justiça é igual para todos e que o poder político não se refugia no silêncio das esquadras. Portugal precisa de uma polícia respeitada, próxima e eficaz, não de uma polícia desanimada e receosa.

Quando o Estado não cumpre o que promete e a sociedade condena os seus polícias antes de os julgar, perde-se mais do que autoridade: perde-se segurança e confiança. E, nesse dia, não é só a polícia que fica desprotegida, é o país inteiro.

Adelino Camacho

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